domingo, 6 de abril de 2008

Dor de cabeça

Eram quase três horas da manhã e qualquer tentativa de sono até ali tinha sido em vão. A cabeça doía, latejava, se comprimia e se expandia num fluxo continuo. O dia tinha sido exatamente igual a todos os outros, a noite, porém lhe reservou a desconfortável lembrança de que entre seus ombros havia um crânio pulsante. Tentou a TV, tentou um copo de uísque, a dor só piorou. O sono em protesto tinha ido embora de vez.

Foi ao banheiro e se viu no espelho. Estava mais magro, mais amarelo. Pensou em tomar banho. Desistiu. Escovou os dentes, lavou o rosto. Tentava de alguma forma parecer mais vivo no espelho. Voltou para a cama e começou a contemplar o teto branco liso, buscando o sono em algum ponto fixo.

Três e quinze marcava o relógio. “Em poucos instantes estarei dormindo”, era o que pensava, mas para isso travaria uma batalha contra um turbilhão de pensamentos que lhe atormentavam: “a conta venceu hoje”; “ela é legal, mas tem um filho”; “aquele cara não merece confiança”. Todos os pensamentos se confundiam com a dor.

Três e quarenta. Sua mente se expandiu e se fundiu com o ambiente. Agora eram um só, cama e corpo, teto e mente, pulsando juntos. Lá fora uma sirene anuncia o perigo da rua. Após a sirene, um silencio absoluto. “Morri?”, pensava. Flutuou tranqüilo sobre a cama.

Viu verdes campos, voou, sentiu-se livre no mais belo sonho clichê. Ela se aproximou e disse: “Bem-vindo ao meu mundo”. A dor sumiu, assim como a gravidade. Seguiu voando como Peter Pan, mas a noite estava passando sem encontrar sua Terra do Nunca.

Acordou com um gosto ruim na boca. O relógio marcava quatro e doze. Resolveu levantar da cama, a cidade não perdoava atrasos. Fingiu comer alguma coisa, se arrumou, e as quatro e trinta e cinco estava no ponto esperando o primeiro ônibus. Corria uma brisa gelada e uma neblina deixava o clima mais pesado. Pensava: “Devia ter dormido mais...”, mas logo percebeu que não adiantaria.

A cidade acordava devagar, estranhamente devagar. Nunca havia visto a cidade tão preguiçosa como naquela extraordinária manhã. O cinza começava a se impor a negritude da noite. Os carros ainda se esquentavam no frio matinal, enquanto as pessoas começavam a correr com medo serem vistas.

Contou os cigarros. Eram apenas três no maço. Acendeu um com peso na consciência, ainda havia um longo dia pela frente e apenas mais dois cigarros. Estava lendo o alerta de morte no verso do maço: “o Ministério da Saúde: adverte fumar causa câncer de pulmão”, quando foi interrompido por uma bela mulher, vestida inadequadamente para aquele amanhecer neblinoso. A loira parecia estar voltando para casa naquele momento, vinda de alguma festa da alta sociedade. Ela se aproximou meio cambaleante e disse em tom profético: “Viva hoje, morra amanhã”.

Colocou o maço no bolso. A mulher continuou caminhando, entrou num beco a direita e pareceu virar passado. Deixou para trás apenas suas palavras, que agora ecoavam como um mandamento bíblico. O que seria aquela mulher? Da onde teria vindo? Nada disso importa. “Viva hoje, morra amanhã”. A dor de cabeça voltou de repente.

Sentia o perfume da mulher ainda no ar. Resolveu andar e, talvez, vê-la novamente. Caminhou até o beco, guiado por seu olfato por entre a neblina. O perfume lhe trazia sensações, novas e antigas. Caminhava pelo beco como se caminhasse em um sonho. Parecia anestesiado pelas sensações que surgiam naquele momento. Se esquecera de como era sonhar, tinha medo dos sonhos. Sonhos não passavam de temores noturnos.

Avistou a loira caída no perto do fim do beco, parecia desmaiada ou morta. Correu até ela e checou seus sinais vitais. Estava fria, mas ainda tinha pulso. Pensou em chamar socorro, mas parou para contemplá-la. Enquanto seus olhos viajavam pelas belas linhas do rosto da mulher, o tempo parecia ter se comprimido. A sensação de sonho havia passado tudo parecia mais real, embora sua consciência insistisse em lembrar que aquela cena era surreal demais.

O pulso da mulher voltou de forma vigorosa, seu rosto se enrubesceu, o calor voltou a seu corpo. Com um movimento direto se levantou se aproximou do rosto dele e com uma voz sussurrada e aflita disse: “Bem-vindo ao meu mundo”.

Tudo era silêncio. Seu corpo pairava no ar, flutuando sobre a cama. Estava suado e com um gosto ruim na boca. O relógio marcava oito e meia. Estava fatalmente atrasado. A cidade não perdoa atrasos. Contou os cigarros, havia um longo dia pela frente e somente dois no maço.

Um comentário:

Nayna disse...

Adoro esse texto seu!